domingo, 30 de janeiro de 2011

4ª Semana da Temporada 2011

Crítica/ R&J de Shakespeare Juventude Interrompida

Rodrigo Pandolfo: um intérprete de exceção

O enquadramento é de grupo de alunos de escola britânica, que sob a rigidez dos preceitos religiosos e da disciplina de internato, se libera na intimidade do dormitório para representação de Romeu e Julieta. Os rapazes, que se acomodam, a princípio com alguma gaiatice pelas veredas iniciais da trama, assumem, progressivamente, os papéis nas desventuras do jovem casal , no qual as identidades sexuais são rompidas (mais uma lembrança de Shakespeare, quando todo o seu teatro era formado por atores), e a narrativa se entrelaça com os impulsos e a ambientação que os envolvem. O  tom que se assume nos deixa pensar que a convenção da dupla representação, a dos alunos e a do próprio drama, vão se interpenetrando até se confundirem, não como universos paralelos, mas como unidade que sensibiliza desejos e repressão. A adaptação de Joe Calarco cria essa justaposição, partindo da disciplina rígida imposta pelo colégio (quase tão supressivas quanto as da disputa das famílias Montechio e Capuletto), e levadas ao paroxismo do desencontro até que, num truque simples de teatro, sinal sonoro repõe a realidade colegial.
 Nesta peça tão bem urdida e repleta de técnica de playwriting, o diretor da versão em cartaz na Arena do Espaço Sesc, estabeleceu dinâmica cênica, de acordo com o ritmo exigido pelo autor. João Fonseca mantém o mecanismo delirante da montagem em voltagem azeitada, que não prejudica a estrutura dramática da ação, e que se constrói no palco com igual habilidade da proposta do autor. O cenário de Nello Marrese, que envolve a arena com quadros negros e recorre a variados materiais escolares (réguas, giz e folhas de papel com inventivos usos cenográficos) e a iluminação de Luiz Paulo Neném, e ainda o figurino de Ruy Cortez, colaboram, decisivamente, para sustentar o dinamismo da direção. O elenco é outros dos elementos que contribuem para que R&J de Shakespeare  seja um dos espetáculos mais atraentes atualmente à disposição da platéia carioca. Felipe Lima, Pablo Sanábio e João Gabriel Vasconcellos se entregam à nervosidade necessária para que a roleta deste jogo de atuações gire na mesma rotação do eixo textual. São atores que incorporam suas habilidades interpretativas a cada momento em que lhes são solicitadas. Mas Rodrigo Pandolfo se destaca de maneira brilhante numa interpretação detalhada, em que circula pela farsa, pelo dramático e pela comicidade popular, com total presença e domínio de cada um desses detalhes de atuação. Trabalho sólido e de franca adesão às melodias do entrecho, que o público pode sentir como tributo à sua inteligência e justificativa à fidelização da freqüência ao teatro. Boas surpresas existem. Há que garimpá-las.



Crítica/ Me Salve, Musical

Será o musical a salvação do teatro?

Não há medidas para Pedro Brício explorar a mistura de generos neste musical, mas que igualmente é comédia e farsa, chanchada e revista, e que entre tantos escaninhos brinca com os atuais mecanismos produtivos do teatro. Se o musical está na moda e a comédia é tradição comercial intocada por seguidas temporadas, o experimentalismo dos espetáculos-cabeça, que tanto recorrem aos clássicos, está cheio de invencionices, que descodificá-los é tarefa de personagem de tragédia. São esses toques de ironia que Brício imprime à vontade de mostrar a salvação pelo amor, afinal de contas há que ir ao encontro do happy end e referendar as mensagens do romantismo via cinema. Mas ainda não é tudo. Como fica o absurdo de cotidianos muito pouco estimulantes e as frustrações de sentimentos fracassados e as obsessões por dinheiro?
Os personagens, presos na sala de embarque de aeroporto, à espera da partida para Nova Iorque, se envolvem por razões diversas, expondo sentimentos conflitantes e confusos, vizinhos do absurdo, sem saber como escapar de si mesmos, apelando para várias alternativas de representação das suas agruras. Chanchadeiros nos seus delírios, melodramáticos  nas suas obsessões, revisteiros em sua féerie exibicionista, cada um caminha por um estilo, obedecendo cartilha nada comportada. O que torna ainda mais atraente esta composição anárquica de estilos é a sua capacidade desviante de propor conclusões. Aquilo que se supõe ser comédia musical não cumpre a indicação, já que logo adiante se transforma em farsa crítica às tendências do teatro que se assiste por aqui. Por outro lado, aponta para comédia de costumes, um tanto capenga, que retira seu humor de constatações triviais. Destes improváveis rumos, Me Salve, Musical confunde propositadamente para lançar divertidas pistas que não deixam a platéia enveredar por nenhuma delas.  Fica no ar a brincadeira com vários generos, mas fica-se sem saber qual deles realmente nos salva? Ou ao teatro.
Pedro Brício dirige com os mesmos despistes que acumula na multiplicação de elementos narrativos que introduziu no texto. Estão no palco as várias modalidades que transitam pela escrita, o que reflete as possibilidades cênicas das situações que arranham o nonsense , mas que por outro lado sobrecarregam a montagem, alongando sua duração e provocando quebra de intensidade no humor. A direção de arte de Rui Cortez encontrou solução um tanto fria para o cenário, que ganha vida, no entanto, pela iluminação bem articulada de Tomás Ribas na sua variante de cores. As canções originais de Felipe Rocha estão integradas à sonoridade delirante geral. Gustavo Gasparani investe na característica de ator-comediante, que mesmo no prólogo e no epílogo, um tanto explicativos demais, segura a batida do humor. Susana Ribeiro não demonstra estar tão à vontade em registro que se distancia da maioria das suas atuações. Fernando Alves Pinto, em que pese dicção um tanto fechada, circula com ar meio ausente pelo psicanalista avoado. Isabel Cavalcanti, além de revelar voz para o canto, demonstra também saber explorar a risível instabilidade emocional da aeromoça carente. Keli Freitas, apesar da prosaica procura da garota pelo pai, é figura atraente. Celso André transmite a canastrice oportunista do homem de negócios. Juliana Medella tem aparições inusitadas com sua figura coleante e malabarismos desafiadores em espaços surpreendentes do teatro.     



Crítica/ Amor, Perdas e Meus Vestidos

Abobrinhas femininas vestem banalidades

Esta coletânea de comentários femininos sobre lembranças sobre o acervo dos armários de roupas, que pode ser visto no Teatro do Leblon, sofre do efeito Monólogos da Vagina. Tal como a sucessão de depoimentos sobre a intimidade das mulheres com seu órgão genital, Amor, Perdas e Meus Vestidos reúne em monólogos apresentados de maneira direta como as roupas marcaram, e marcam, as suas vivências. Não interessa muito se há dramaturgia que apóie tais declarações, ou mesmo o valor que se possa atribuir a tais comentários. Talvez, tanto como relação à Vagina..., quanto aos Vestidos..., o fato de se basearem em livro e terem sido levadas à cena como solilóquios que colocam atrizes e público frente a frente, e ainda assim conseguirem sucesso nas suas cidades de origem, Nova Iorque, naturalmente, a importação é quase uma vocação mercadológica inevitável. Por aqui, adapta-se para tentar importar o mesmo êxito. Nesta versão de Adriana Falcão para outra adaptação de Delia e Norah Ephron do livro de Ilene Beckerman, procura-se criar diálogos para que as atrizes possam contracenar, mas a maioria dos quadros é mesmo os de monólogos indisfarçáveis. É possível que a temática possa interessar a alguém, em especial a mulheres fúteis, de outra maneira o sucesso no exterior somente poderia ser explicado pelo vazio anestesiante que, muitos nomeiam como escapismo do divertimento. De todas as banalidades que são ditas – que roupa usar, as vestimentas na infância, a arquitetura dos sapatos, e outras  platitudes – a que consegue algum sorriso, ainda que tantas vezes repetida nas piadas sobre feminilidades, é sobre s mistérios das bolsas das mulheres. No mais, são as tediosas preocupações sobre o vestir, e a deslocada cena sobre o adoecimento, talvez para conferir ar dramático a tantas abobrinhas .
Alexandre Reinecke tenta tornar ágil o que, pela origem, é estático. As atrizes – Arlete Salles, Carolina Ferraz, Ivone Hoffman e Thaís Araújo – vivem burocraticamente os desejos e as aspirações de mulheres tão pouco ambiciosas e limitadas nas suas memórias. Ah, não se esqueçam que Amor, Perdas e Meus Vestidos é uma comédia, e para rir.           



Estante Teatral

A professora e ensaísta Neyde Veneziano, que desenvolve estudos sobre o teatro de revista como gênero e por como registro histórico do teatro nacional, lança mais outro livro na mesma linha. Desta vez, reúne a biografia de 41 vedetes com fotos de época sob o título de As Grandes Vedetes do Brasil. Entre as biografadas estão Virginia Lane, Mara Rubia, Carmem Verônica, Nélia Paula, Sonia Mamede, Eloína e até Bibi Ferreira, que têm as suas vidas profissionais destacadas em “verbetes biográficos”, como assinala a autora.  

Atualmente em cartaz no Planetário com Estilhaços, o diretor  Eduardo Wotzik  faz coletânea dos textos do espetáculo na versão em livro. Wotzik edita o roteiro da sua montagem com a seleção das cenas, 45 ao todo,  definidas como crônicas contemporâneas, que compõem a experiência do encenador na manipulação da linguagem.

O grupo mineiro Galpão, que procura sempre registrar a sua trajetória em publicações, volta a essa prática com Grupo Galpão: Uma História de Encontros, de Eduardo Moreira, fundador do coletivo em 1982 e até hoje integrante de todas as encenações. O livro trata da relação e dos processos de trabalho com os diretores que o Galpão trouxe para suas montagens. Em quase 300 páginas, Moreira avalia a participação de Paulo José, Gabriel Villela, Eid Eibeiro, Cacá Carvalho e Ulysses Cruz.

 A vida profissional da atriz Lillian Lemmertz no teatro, cinema e televisão é revisada por Cleodon Coelho no livro da coleção Aplauso que leva o nome da atriz de Quem Tem Medo Virigina Woolf?,(1965) e que tem como subtítulo Sem rede de proteção.            


O que há (de melhor) para ver

Chico Diaz no universo de Campos de Carvalho

A Lua vem da Ásia -  A ficção de Campos Carvalho é um modo de recriar universo atropelado por inconclusões e por visão um tanto niilista da existência. O diretor Moacir Chaves empresta ao monólogo um caráter múltiplo, conduzindo os espectadores pela jornada de alguém percorrendo dúvidas. Com o vigor do peito aberto e o patético de um vagabundo que evoca Beckett, Chico Diaz transmite com ironia e sensibilidade o “sentimento do mundo” construído por Campos de Carvalho, numa atuação límpida e inteligente. Centro Cultural Banco do Brasil.

Deus da Carnificina – A francesa Yasmina Reza se preocupa mais com o invólucro do que com o conteúdo, e neste texto sobre a crescente agressividade de um casal diante da briga dos filhos, não é diferente. Com habilidade e inventiva cenografia, o diretor Emílio de Mello soube ressaltar o que o invólucro tem de melhor, o seu brilho externo, utilizando quarteto de bons atores, no qual se destaca Julia Lemmertz com alguns momentos excepcionais. Teatro Maison de France.

Histórias do Amor Líquido – Em três narrativas que se interpõem, o autor Walter Daguerre captura modos diversos da “liquefação das relações contemporâneas”. O diretor Paulo José imprime ritmo dinâmico e nervoso à montagem, apoiado pelo criativo cenário de Fernando Mello da Costa, que usa, como poucas vezes se viu no teatro carioca, projeções com ótimo efeito dramático e qualidade técnica. Teatro Poeira.
                                                                                                                                                                                      macksenr@gmail.com

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Palco Nostálgico


Crítica da primeira montagem de Besame Mucho (1983)

Cenário de José Dias para a versão de Aderbal 
Alguém já disse que a obra de um criador nada mais é do que a eterna recriação de um só tema. Quando se pensa em Federico Fellini ou em Luis Buñuel, nada parece mais verdadeiro. Assistindo a Besame Mucho, de Mário Prata, mineiro, mas criado no interior de São Paulo, 38 anos, confirma-se esta afirmativa. A história de dois casais, oriundos de uma cidade pequena (Alburquerque), traça a sua convivência desde a adolescência até a idade adulta, mais precisamente, até a ruptura de seus respectivos casamentos. Como maior originalidade de Besame Mucho está a inversão temporal – o espetáculo começa com os acontecimentos ocorridos em 1982, terminando com os de 1962. Xico e Olga, Tucá e Dina vão sendo revelados através da formação pequeno burguesa com forte influência religiosa, das ressonâncias da cultura americana sobre seus comportamentos, via música e cinema, além das vivências políticas, que oscilam da mais completa alienação ao intenso ativismo. E procede-se a essas revelações aos poucos, como se fossem retirados os véus que escondem as suas mais primárias motivações, até atingir a essência e a origem das atitudes de cada um deles. Os desdobramentos ao longo desses 20 anos, em que se passa a ação dramática, constituem o cerne da narrativa, que Prata domina com bastante segurança. Estão embutidos na trajetória desses dois casais, elementos que o autor utilizou na novela de televisão Estúpido Cupido para referendar esse folhetim nostálgico da juventude perdida.
Mário Prata se revela mais seguro quando trata da adolescência dos casais, com diálogos deliciosos, cheios de observações precisas sobre o universo juvenil dos anos 60. E é quando o autor exercita com mais empenho o seu humor baseado na observação das atitudes da jovem dupla.
O diretor Aderbal Júnior aproveitou todas as insinuações teatrais do texto para construir verdadeiro jogo de espelhos, expresso até mesmo na criação do teatralíssimo e interessante cenário de José Dias. O caráter da representação é acentuado com o recurso, nem sempre muito eficaz da história paralela dos contra-regras que fazem os intermezzos entre elas. Mas Aderbal preferiu enfatizar como o artifício, o próprio ritual do teatro e, como poucos, sabe fazê-lo muito bem. Não se deixa envolver pelo psicologismo que o texto sugere, muito menos pela auto-complascência dos personagens. Supera os entraves com resoluto desenho de direção. Poético na medida certa (a inserção de músicas de Cesar Frank e de canções populares é de grande eficácia na criação de pausas), Aderbal Júnior equilibra muito bem as diversas informações que precisa lançar ao espectador.
Do elenco sobressaem Louise Cardoso e Jonas Bloch, que oferecem maior nuances de interpretação. Ela, aproveitando-se dos momentos de humor de sua Dina, está mais à vontade à proporção em que a personagem decresce de idade. Ele, acentuando o sotaque interiorano e compondo fisicamente as mudanças de Tucá. Natália do Vale é uma Olga um tanto linear e Henrique Pagnocelli se mostra  menos seguro nos momentos de crise do Xico. Completam a distribuição, Luiz Otávio e Clélia Guerreiro.

Estreado no Teatro Gláucio Gill em outubro de 1983

                                                                                                macksenr@gmail.com                                                                                                                                                                                    

domingo, 23 de janeiro de 2011

3ª Semana da Temporada 2011

Crítica/ Adultério
Os descaminhos do casamento sob inspiração de Pirandello

Desta vez foi Pirandello que forneceu o material para que o diretor Daniel Herz repetisse com a mesma comunicabilidade da montagem anterior – Decote – a sua féerie de cenas que sublinha quadro teatral atraente. Sob o abrigo de tema do adúltero, o diretor apresenta no Teatro Gláucio Gill, sequência bem articulada de situações que enfatizam, com humor agridoce, as fluidas relações amorosas, que se fazem e desfazem ao sabor da inconstância dos sentimentos. Já na primeira cena, quando um casal caminha para a celebração das bodas, a formalidade dos sorrisos e do cerimonial é, tão somente, máscara social, já que sussurram impropérios que anunciam a vida futura em comum. Depois desta introdução, seguem-se outras demonstrações de traições impalpáveis, mentiras dissimuladoras, verdades mentirosas e ilusões reais. Com dramaturgia cênica que aponta para o bom humor e as possibilidades do jogo teatral, Herz mantém a montagem em ritmo intenso, sem que hajam quebras de interesse. A cenografia simples, mas à serviço da agilidade, de Fernando Mello da Costa e Rostand Albuquerque, e a bem desenhada iluminação de Aurélio de Simoni, compõem o enquadramento para o elenco transmitir com aplicação os movimentos do jogo. Sem destaques, com alguns atores mais ajustados a certas cenas e desenvolvendo com maior desenvoltura temperamento cômico, os intérpretes – Ana Paula Secco, Anderson Mello, Leandro Castilho, Marcio Fonseca, Paulo Hamilton e Verônica Reis -  revelam entrosamento e empenho. Este simpático espetáculo, que talvez repita soluções já vistas em montagens anteriores do diretor, pelo menos mostra coerência a linha de trabalho que chega à platéia com facilidade.    




Crítica/ Catadores de sonhos
À procura dos limites da utopia de catadores de ilusões cênicas


Não chega a ser um híbrido de dança, teatro e alpinismo, mas pretende ser o encontro dessas linguagens em processo de experimentação. Jadranka Andjelic define essa mistura de  “utopia com atores e alpinistas”, como se pudesse desta maneira explicar o que se assiste no Teatro Gláucio Gill. O espetáculo se inicia na parte externa do prédio do teatro, com os alpinistas fazendo demonstrações junto à parede, coberta por projeções abstratas. Constata-se a habilidade da dupla em se movimentar com alguma graciosidade, aquela permitida pelo aprisionamento das cordas. Feita a demonstração e imaginada a fixação do conceito de inversão gravitacional, entra-se no teatro, e depara-se com a sonoridade de grupo de músicos liderado por Thiago Trajano, que embala a platéia até o início efetivo da representação, na qual terá participação permanente. Na busca da utopia, atores-bailarinos-acrobatas dão partida à função de catadores de sonho. Esses saltimbancos se apresentam como artistas de rua reprimidos pela polícia, ventríloquos da voz de outros artistas que, tanto alardeiam lugares para existir fora do real, quanto coreografam as dificuldades do percurso. São cenas em que se dança, diz-se variados fragmentados textos recolhidos de “utopistas e, eventualmente, surgem alpinistas que, sobem e descem no fundo do palco. Nesta ampla performance, em que diversas caminhos são tentados (poucos conseguidos), alcançam-se alguns momentos, plasticamente,  envolventes, mas a distância que se estabelece entre a multiplicidade de linguagens se transforma em multiplicação de rumos, que conduzem mais ao desvio para áreas ingênuas (ainda que bem intencionadas) do que para encruzilhada de dúvidas artísticas inquietantes.
 



Crítica/ As Três Velhas
Bons atores em melodrama grotesco de subversão presumida


Esse texto do chileno Alejandro Jodorowsky parece tão velho (ou seria melhor empregar a palavra antiquado?) quanto as personagens que dão título à montagem, atualmente em cena no Teatro Poeira. Pelo menos nas suas intenções provocativas e nos propósitos referenciais ao “guignol”, ao melodrama e às teorias do autor em relação ao teatro-pânico, a narrativa se mostra perdida em formulações que remetem até ao surrealismo e a lembranças de outros textos. Como uma revisão amalucada de “As criadas”, de Jean Genet. É muita carga impressa sobre um “fait-divers” cômico, que se acredita capaz de chocar ou provocar rejeições pelos maus modos das velhinhas. Como foi escrita há pouco mais de sete anos, “As  três velhas” já nasceu fora de época, datada em suas desgastadas piscadelas ao bizarro, repleta de reversões de comportamento que apenas confirmam o “dejá vu”. O que seria subversão de linguagem, é mera reprodução de gêneros melhor explorados em suas vertentes por textos que efetivamente quebram preconceitos e se fazem arrebatadoramente mal comportados. Jodorowsky  utiliza somente as regras das escritas originais, apontando para semelhanças de autores fundadores dos estilos para compor vinheta de gêneros inexpressiva e requentada. Maria Alice Vergueiro encenou o que se mostra aparente, a pantomima da apropriação do bizarro. Apesar de contar com a participação de três atores – Luciano Chirolli, Pascoal da Conceição e a própria Maria Alice – competentes e que se inserem neste “melodrama grotesco”, como o define o autor, os truques cômicos que intentam não conseguem manter a pulsação do humor em cena. A montagem se arrasta em previsibilidades e o que parecia ser vizinho do absurdo, não ultrapassa o limite da convenção.          
                                                                                          



Cenas curtas
A coleção Aplauso está lançando mais uma edição, desta vez dedicada ao ator Rubens Corrêa. Com o título de Rubens Corrêa, um Salto para Dentro da Luz, o livro assinado por Sergio Fonta repassa a carreira do ator, registrando as suas atuações em O Arquiteto e o Imperator da Assíria, Hoje é Dia de Rock, O Futuro Dura Muito Tempo e Artaud. Para o autor, Rubens foi “senhor de seu espaço, comandante irrevogável, dilacerado e definitivo”.

O Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília inicia dia 3 de fevereiro a temporada de Quanto Tempo da Vida eu Levo para ser Feliz?, texto de Silvio Guindane, com direção do autor, e elenco que reúne Camila Amado, Denise Weinberg, Luís Carlos de Moraes, Isabel Guéron e Fernando Dolabella. A narrativa estabelece paralelo entre duas famílias de classe média que se entrelaçam através de seus conflitos e suas desavenças.




O que há (de melhor) para ver

A Lua vem da Ásia -  A ficção de Campos Carvalho é um modo de recriar universo atropelado por inconclusões e por visão um tanto niilista da existência. O diretor Moacir Chaves empresta ao monólogo um caráter múltiplo, conduzindo os espectadores pela jornada de alguém percorrendo dúvidas. Com o vigor do peito aberto e o patético de um vagabundo que evoca Beckett, Chico Diaz transmite com ironia e sensibilidade o “sentimento do mundo” construído por Campos de Carvalho, numa atuação límpida e inteligente. Centro Cultural Banco do Brasil.

 Hair –A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermot, mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretativa de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.
  
Deus da Carnificina – A francesa Yasmina Reza se preocupa mais com o invólucro do que com o conteúdo, e neste texto sobre a crescente agressividade de um casal diante da briga dos filhos, não é diferente. Com habilidade e inventiva cenografia, o diretor Emílio de Mello soube ressaltar o que o invólucro tem de melhor, o seu brilho externo, utilizando quarteto de bons atores, no qual se destaca Julia Lemmertz com alguns momentos excepcionais. Teatro Maison de France.


Marcio Vito e Bel Kutner: relações contemporâneas


Histórias do Amor Líquido – Em três narrativas que se interpõem, o autor Walter Daguerre captura modos diversos da “liquefação das relações contemporâneas”. O diretor Paulo José imprime ritmo dinâmico e nervoso à montagem, apoiado pelo criativo cenário de Fernando Mello da Costa, que usa, como poucas vezes se viu no teatro carioca, projeções com ótimo efeito dramático e qualidade técnica. Teatro Poeira
                                                                                        

                                                                                                      macksenr@gmail.com
                                                                                                 




quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Palco Nostálgico

Como foi a temporada carioca de 1982


Fernanda como Petra: destaque em qualquer tempo 

Num ano de transição, durante o qual o país definiu a extensão do abismo econômico e a abertura política e ganhou o alento de eleições democráticas, o teatro carioca se equilibrou, precariamente, entre a retomada de produções de alto nível profissional (As lágrimas Amargas de Petra Von Kant, O Homem Elefante, e Espetáculo Ionesco) e poucas tentativas de experimentação (Nelson Rodrigues: O Eterno Retorno e A Tempestade). O risco de fazer grandes investimentos num ano em que o público se mostrou muito arredio, recomendou cautela aos grupos que, com um mínimo de dinheiro e esforços de produção quase heróicos, buscaram nos clássicos – Shakespeare, Ben Jonson, Ibsen – alternativas para a crise internacional e nacional de autores. Com exceção de Aurora da Minha Vida, de Naum Alves de Souza, 1982 não deixa registro de um texto marcante de autor brasileiro, ainda que Ver-de-Ver–o-Peso, criação do grupo Experiência, de Belém do Pará e de Ramon Stergaman, tenha lançado várias e boas idéias sobre as possibilidades de linguagem de comédia musicada brasileira.
Nos últimos 12 meses, o espetáculo teatral poucas vezes atingiu aquele ponto a partir do qual se estabelece comunicação culturalmente enriquecedora. A exceção é a inesquecível interpretação de Fernanda Montenegro em As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant, que com a força e inteligência da atriz, nos devolveu a alegria de ir ao teatro. Ou a investida de Antunes Filho em Nelson Rodrigues: O Eterno Retorno na revalorização da obra do dramaturgo. E ainda, a comunicabilidade popular de Ver-de-Ver-o-Peso, que além de boas músicas e da revelação da atriz Natal Silva, traz o embrião de ópera popular nativa. Mulher pelo Contrário, musical do pernambucano João Falcão, criticou de forma divertida a cristalização de um tipo de teatro político.
Mas foi na parte visual que o teatro em 1982 se mostrou mais criativo. Paulo Reis ocupou o Parque Lage de maneira maquiavelicamente teatral com A Tempestade, utilizando cada arcada do velho prédio para contar a história shakesperiana, ora mergulhando atores na piscina da mansão, ora criando iluminação dramática. Os cenários e figurinos de Millôr Fernandes para Vidigal: Memórias de um Sargento de Milícias, verdadeiras caricaturas vivas, com traços inconfundíveis do desenhista, lançaram novas idéias para essas áreas. E Kalma Murtinho foi, sem dúvida, a figurinista do ano, não só pelo volume de suas realizações (Quero..., Leonce e Lena, Pó de Guaraná), como pela qualidade da
totalidade delas. E o visual de Quero... ainda foi favorecido pela iluminação perfeita, cheia de nuanças e de semitons que ajudaram a adensar o clima intrigante do texto de Manuel Puig. A revelação do ano como cenógrafo fica com Biza Vianna, responsável pela ótima e bonita solução cênica para O Curral, enquanto Paulo Afonso de Lima assinou a concepção cenográfica de A Falecida, transformando o palco num carnaval fúnebre, todo preto sobre fundo branco. Pedro Sayad usou com habilidade roupas sofisticadas para criar um ar mágico para Bodas de Felissa, e Naum Alves de Souza, com competência e bom gosto, usou a simplicidade para mostrar o jogo cruel e nostálgico que se desenvolve nos bancos escolares em Aurora da Minha Vida.
Ainda que Fernanda Montenegro tenha sido absoluta na área da interpretação, outros atores também tiveram performances importantes. Yara Amaral superou a deficiência de um texto como Eu Posso? com garra de atriz de talento e muito profissionalismo. Renata Sorrah e Juliana Carneiro da Cunha duelaram de igual para igual com a toda poderosa Fernanda. Rubem Correa brilhou em Quero..., misturando a sutileza de interpretação interiorizada com a brincadeira de um ator de melodrama que não se leva a sério. Edwin Luisi, como Mozart, em Amadeus, agarrou-se à oportunidade de criar personagem numa linha quase grotesca, mas de irresistível teatralidade.
E num ano de poucas ousadias, um som novo ouviu-se no palco: o de Tim Rescala. Músico jovem, escreveu canções e foi diretor musical de Bar Doce Bar, Peer Gynt, Serafim Ponte Grande e Cenas Cariocas, numa linha melódica que mistura ritmos brasileiros à sonoridade dos cafés-concertos. Mas o som que se transformou em zoeira veio de um circo, antes armado no Arpoador, agora instalado na Lapa. Sem buscar fixar-se em nenhum estilo, colocando numa mesma lona música-circo-teatro, o Circo Voador criou um movimento em torno de si, estimulando experimentalismos, que hoje já estão absorvidos pelo consumo (como a Blitz), gerando grupos teatrais, quase adolescentes, um tanto confusos e como pouco a dizer, mas que estão trazendo para o palco uma linguagem visual muito rica.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

2ª Semana da Temporada 2011

Crítica/ A Lua vem da Ásia


Chico Diaz no espaço ilógico de Campos de Carvalho


Onde se refugiou a lógica? Os mestres de sua disseminação foram assassinados e os seus acólitos estão presos em manicômios, servindo de cobaias a uma racionalidade que não consegue entender o mundo. Neste espaço ilógico, Campos de Carvalho propõe, em “A Lua vem da Ásia”, a apreensão da vida no refluxo da tentativa de abarcá-la. São áreas desconhecidas, percorridas com palavras que mapeiam geografias humanas e razões imutáveis, ironizam desígnos e falseiam certezas. O fluxo verbal se conduz por espaços que se desmentem continuamente, levam a pontos de incertezas. A ficção de Campos Carvalho, menos como experimentação de linguagem literária, é mais um modo de ficcionar um universo atropelado por inconclusões, visão um tanto niilista da existência, em que o humor crítico se infiltra por cada um dos desvãos da narrativa. Escrito em 1956, o livro, como o restante da obra do autor, continua provocador em sua iconoclastia e intrigante em seus atalhos verbais. Aderbal Freire-Filho foi quem trouxe para o teatro o universo de Campos de Carvalho, com “O Púcaro Búlgaro”, encenação em que fazia do literário a própria razão de ser da cena. Ao apostar na adequação do que é essencialmente romanesco para o que pode vir a ser profusamente teatral, Aderbal traduziu algo até então lido para a fisicalidade do palco. Em “A Lua vem da Ásia”, em temporada no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil, o diretor Moacir Chaves não repetiu a abordagem de Aderbal, ainda que no programa do espetáculo, seu nome apareça como supervisor de dramaturgia. Chaves destaca da adaptação de Chico Diaz (há um “prólogo” e um  “epílogo” que encorpam a inteireza do romance) uma certa “dramaticidade” para as diversas nuances estilísticas de uma oralidade obsessiva  como caudal desviante das possibilidades de percepção. O diretor empresta ao monólogo caráter múltiplo como formas de capturar os diversos veios expressivos pelos quais são conduzidos os leitores-espectadores da jornada de alguém percorrendo dúvidas e intencionalidades. A cenografia de Fernando Mello da Costa funciona como acessório a este visão multiplicada que o romance propõe e o diretor acompanha. O quadrado vazado, quarto-manicômio, servido por objetos que chegam como se fossem transportados por monta-cargas ou se distribuem como peças espalhadas por delírio organizatório, se tranforma em sugestão de lona circense, que acompanha a mudança de espaço e das divagações envolta pela maior evasão da interioridade do personagem. Chico Diaz se entrega a esse mergulho no labiríntico percurso de quem (des)escreve o mundo como embate de espírito globalizadamente humanizado. Com força oscilante entre o vigor do peito aberto e o patético de um vagabundo que evoca Beckett, o ator transmite com ironia e sensibilidade o “sentimento do mundo” como a poesia cáustica de quem o moldou. Uma interpretação com plena adesão e identidade ao material “dramático” e domínio da sua medida e extensão. Uma atuação límpida e inteligente.        


Mundo atual  visto de Brasília por Virna e Brandão 


Crítica/ Admirável e só para selvagens

Esta montagem, em cartaz no Mezzanino do Espaço Sesc que vem de Brasília, é livremente inspirada em “Admirável Mundo Novo”, obra premonitória do inglês Aldous Huxley. Se da Inglaterra do início do século 20, Huxley falava de uma sociedade dividida por hominídeos de proveta e de selvagens capazes de responder a emoções que correspondem à sua humanidade, da Brasília do século 21, a encenação de Hugo Rodas e Miriam Virna transcreve essa polarização para recriar no palco a fatuidade da cultura do prazer e da felicidade. A obra de Huxley, além de seu caráter especulativo sobre um futuro contemporaneamente confirmado, ficciona a realidade que em 1931, quando o livro foi publicado, parecia vaticínio de autor inventivo. A transposição para os dias atuais, que Yuri Vieira e Miriam Virna empreenderam para levar à cena as palavras candentes do original, teve êxito pelas citações à atualidade e à equalização identitária das referências da ficção com as quase comprovações do que se assiste (e vive) hoje. Ainda que os adaptadores tenham feito esta aproximação, “Admirável Mundo Novo” é obra literária um tanto reiterativa, que ao ser transferida para um meio expressivo em que o corpo a corpo com a palavra exige a sua plausibilidade cênica, a tendência à recorrência do livro também se reproduz no palco. Os diretores criaram visão bem definida sobre o texto, projetando interpretação física, um tanto coreografada, que busca impostação dançada e vocalizada em tom deliberadamente farsesco. Essa conotação permite que as idéias sejam transmitidas com ênfase e em alguns momentos como poética crítica. Mas por outro lado, não evita o ritmo monocórido em que a estilização acaba por jogar a montagem. O cenário horizontalizado de Hugo Rodas permite que o confronto seja bem delineado, com a interveniente iluminação de Renato Machado. Os dois intérpretes – Alessandro Brandão e Miriam Virna – desenham, a partir da concepção dos diretores, atuações bem elaboradas e, especialmente, bastante bem executadas tecnicamente. Falta apenas driblar a impressão de  monotonia que a montagem provoca na recepção pela platéia.      


Crítica/ Besame Mucho

O texto de Mário Prata, em cena na Sala Multiuso do Espaço Sesc, escrito na década de 1980, reflete o momento vivido pela país, em pleno processo de distensão política, numa ressaca ainda perturbadora dos anos de ditadura. Se na década anterior, Mário Prata trouxe os porões da repressão para a luz dos refletores (“Fábrica de Chocolate”) em metáforas nem sempre muito elípiticas, em “Besame Mucho”, de 1982, flexibiliza o ambiente politico com referências biográficas que ressoam como dados genéricos de uma geração. Os dois casais, que vivem numa cidade do interior paulista, têm a história de sua convivência contada de trás para frente. Um fato deflagrador com o qual a peça se inicia, revela o “fim” dos personagens, que vão sendo  desvendados pela inversão da passagem do tempo, até chegar à pré-adolescência, época do final verdadeiro da ação. O recurso, ainda que não original, se mostra atraente, até por que é servido por projeções dos fatos paralelos de cada ano, capazes de compor o fundo histórico que apóia a narrativa. Roberto Bomtempo, com cenário funcional, que serve de tela para as projeções e de enquadramento para os vários ambientes, demonstra visível admiração pelo texto. Sua montagem procura envolver-se com a época, numa perspectiva da dramaturgia geracional que elegeu para levar à cena. Sem muitas firulas, numa fidelidade reverente ao autor, Bomtempo reuniu quarteto de atores que, mesmo com certa juventude interpretativa, cumpre com empenho as suas funções. Ana Paula SantÁnna e Leandro Baumgratz ficam um tanto aquém das atuações de Janaina Moura e, sobretudo, de Rafael Sardão, bem mais nuançados e sensíveis às exigencias das mudanças de idade.       


Cenas curtas 

A dupla Charles Möeller e Claudio Botelho abriu inscrições para cantores/atores e bailarinos/cantores para a sua próxima produção, “O Violinista no Telhado”,  a ser estreada no OI Casa Grande em junho, em substituição a seu atual musical, “Hair”. Informações sobre os testes podem ser obtidas em www.moellerbotelho.com.br.

Em sua 17ª edição o Janeiro de Grandes Espetáculos, que se realiza em Recife até o dia 30, tem este ano a sua versão mais ambiciosa. Reunindo produções pernambucanas da capital e do interior, além de convidados do Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul e Brasília, se realiza pela primeira vez a Mostra Iberoamericana com espetáculos vindos da Argentina, Uruguai, Espanha, Portugal, Itália e Cuba. Uma edição promissora para este simpático festival de verão de Recife. Informações em www.janeirodegrandesespetaculos.com.

A Secretaria de Cultura está recebendo até o dia 31, propostas para a ocupação do Teatro Gláucio Gill. O período da ocupação será de maio de 2011 a março de 2012. As inscrições devem ser feitas pelo endereço eletrônico ocupacaoglauciogill@cultura.rj.gov.br

O músico e diretor Caique Botkay está completando 60 anos, lançando em março a sua encenação de “Gimba – Presidente dos Valentes”, texto dos anos 60 de Gianfrancesco Guarnieiri. Estreado no ano passado no Festival de Teatro de Angra dos Reis, o musical-político tem à frente do elenco a atriz Taís Araújo.


O que há (de melhor) para ver 

 Hair –A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermot, mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretativa de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.

A desconstrução familiar por Nicky Silver e Felipe Hirsch
Pterodátilos – Num lar de alicerces oscilantes, quase dementes, o autor americando Nicky Silver desenha farsa de humor rascante, que o diretor Felipe Hirsch, com a excelente tradução cenográfica de Daniela Thomas, decompõe como um cemitério de ossos de mortos-vivos “assustados e solitários”. No elenco afiadíssimo, Marco Nanini e Mariana Lima, com acuidade, brilho e ironia, transformam o humor de Silver em inteligentes interpretações. Teatro das Artes.

Deus da Carnificina – A francesa Yasmina Reza se preocupa mais com o invólucro do que com o conteúdo, e neste texto sobre a crescente agressividade de um casal diante da briga dos filhos, não é diferente. Com habilidade e inventiva cenografia, o diretor Emílio de Mello soube ressaltar o que o invólucro tem de melhor, o seu brilho externo, utilizando quarteto de bons atores, no qual se destaca Julia Lemmertz com alguns momentos excepcionais. Teatro Maison de France.

Histórias do Amor Líquido – Em três narrativas que se interpõem, o autor Walter Daguerre captura modos diversos da “liquefação das relações contemporâneas”. O diretor Paulo José imprime ritmo dinâmico e nervoso à montagem, apoiado pelo criativo cenário de Fernando Mello da Costa, que usa, como poucas vezes se viu no teatro carioca, projeções com ótimo efeito dramático e qualidade técnica. Teatro Poeira.




macksenr@gmail.com 

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

1ª Semana da Temporada 2011

 Critica/ Pequenos Burgueses

Pequenos Burgueses de "Nós do Morro": novas exigências 


De certo maneira, a encenação de “Pequenos burgueses” pelo grupo Nós do Morro representa uma viragem em sua trajetória de mais de duas décadas. A montagem do texto de Máximo Gorki, em cartaz no Teatro das Artes, demonstra um desejo do coletivo do Vidigal em deslocar o centro de seu repertório, dramatúrgico e interpretativo, para áreas até então exploradas, secundariamente, pelos seus espetáculos. O intenso atrito daquela família, tão pequeno burguesa em suas aspirações, tão carregada de desejos medianos, carregada de virulência incontida, consciente do poder cessante e ameaçada pela perspectiva de uma nova ordem social, nada mais é do que a difusa incerteza de sua imobilidade. Sob uma análise marxista, “Pequenos burgueses” foi considerado um das peças, que no início do século 20 anunciava na Rússia pré-revolucionária, o fim de uma classe social condenada à extinção, por parasitária.  Marxismos à parte, o texto de Gorki amplia, do ponto de vista teatral, o retrato familiar de conflitos gerados pela própria existência, apenas, secundariamente, configurado pelo contexto social. Não é sem razão que “Pequenos burgueses” estreou em 1902, no Teatro de Artes de Moscou, sob a direção de Stanislavski, deixando à mostra as fraturas da família Bessemenov e seus satélites emocionais, com tal carga psicológica para que o clima opressivo se estabeleça como minúcias de sentimentos. Para o Nós do Morro, esse detalhamento e filigranas de emoções parecem, pela encenação de Guti Fraga e Fátima Domingues, ainda uma tentativa de encontrar o dimensionamento cênico na medida do texto. A montagem é expandida, seja através da coreografia, para se tornar alegórica, seja pela pouca intimidade do elenco com atuações mais interiorizadas. Já na cenografia de Beli Araújo, que utiliza biombos manipulados pelos atores para concentrar ou ampliar os ambientes, se afirma esse relativo descompasso com o “intimismo”. Ainda que os biombos sejam um recurso “econômico” e sugiram elementos do geometrismo russo, a sua excessiva movimentação pelos atores que se vestem de “clóvis” ( os bate-bolas do carnaval do subúrbio), servem somente para criar ainda mais dispersão. As opções dos diretores tiveram, muito provavelmente, a intenção de ajustar as características de um texto exigente do ponto de vista interpretativo, às especificidades da trajetória do grupo. É por aí  que se captura a necessidade do Nós do Morro por atender outros planos expressivos. Mesmo que a moldura circunscreva um painel, o quadro procura o refino, ou pelo menos deveria procurá-lo. Há uma visível dificuldade de sintonizar-se com uma cena pequena, com o menor da atuação, com o ponto de convergência dos conflitos dramáticos. Falta clima, ressente-se de atmosfera, a ação é retratada, não recriada. Como tudo transcorre como alegoria, esquece-se a evolução e o crescente das situações, o que transforma o fracasso de um suicido em farsa e as agressões verbais em bate-boca, tanto que a maior parte da encenação provoca reações de riso da platéia. Pelo menos, foi esta a resposta do público no dia da estréia. Os atores se empenham para transmitir a dramática de Gorki, mas permanecem na superfície do formalismo alegórico do melodrama. Mas há que registrar que esse foi o primeiro passo do Nós do Morro para avançar numa maior exigência nas atuações. Portanto, é esperar o próximo espetáculo.               




Crítica/ Meniná

O texto de Lúcia Coelho, em cartaz no Teatro do Jockey, tem como subtítulo a advertência, “qualquer semelhança é mera coincidência.” Não chega a ser um despiste da autora para trazer flashes de sua biografia para o palco, sob o pretexto de contar a história de uma senhora que relembra sua vida, em especial a sua existência rebelde e sua profissão de fé na arte. A partir da frustração de ter o projeto de um cruzeiro marítimo ao descobrir a falta de dinheiro na boca do caixa para a empreitada, a senhora, a tal Meniná, evoca os acontecimentos de sua vida com a fugacidade das lembranças e a nostalgia do bem vivido. São as constantes expulsões dos colégios, as diferenças com freiras repressoras, sucessivos casos amorosos, desfiados entre lapsos de memória e lucidez pela vontade de prosseguir conquistando a vida. Nada muito denso, sequer de carga dramática muito desenvolvida. Apenas um desejo de Lúcia Coelho em fazer um depoimento cênico de vivências que imaginou poder transmitir como dramaturgia. O que ressalta em “Meniná” é a sinceridade com que Lúcia entreabre o seu empenho de repensar sobre ressonâncias pessoais e a passagem do tempo. E muito pouco mais além disto.
 A própria autora assina a direção, e o acúmulo de funções parece a ter sobrecarregado a ponto de não dimensionar as restritas possibilidades do texto. A montagem, tão modesta quanto a trama, acentua as fragilidades da escrita, não só pelas soluções cênicas pouco inspiradas, como pela dificuldade em superar as restritas oportunidades de reinventar a inconsistência textual. Com produção, igualmente modesta, na qual os figurinos evidenciam a sua face mais frágil, também não encontra no elenco, apoio para dar maior vida ao espetáculo.  Apesar do esforço de Márcia do Valle em interpretar uma personagem com mais anos do que ela, e demonstrar as suas qualidades vocais como cantora, sucumbe à implausibilidade da Meniná. Ao menos se mostra mais integrada na sua atuação do que o restante do elenco: Fernanda Coelho, Marcelo Dias e Maria Pompeu.     


Cenas curtas

O Rio parece se reintegrar ao circuito de espetáculos internacionais que visitam o Brasil. O grupo catalão Fura dels Baus traz à cidade, em setembro,  “Degustação de Titus Andronicus”, experimento de teatro físico a partir de Shakespeare, com elementos visuais poderosos, como é do estilo deste coletivo, com sugestões de canibalismo.

Projetos de livros da coleção Aplauso estão em finalização para lançamento nos próximos meses. A fotobiografia de Ziembinski, o diretor e ator polonês que se radicou no Brasil nos anos 1940, organizada por Antônio Gilberto deve estar nas livrarias em fevereiro.

Até do dia 30 se apresentarão no Teatro Gonzaguinha do Centro de Artes Calouste Gulbenkian, 11 espetáculos na décima mostra de teatro da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com entrada franca, as montagens fazem parte da conclusão de cursos dos alunos de direção teatral da Escola de Comunicação de UFRJ. 

A programação do Centro Cultural Banco do Brasil para 2011, anuncia safra de estréias promissoras. Um musical sobre Noel Rosa, com Maria Padilha, Bia Lessa dirigindo Renata Sorrah em montagem sobre a geração da imagem midiática, além de Aderbal Freire-Filho encenando “Na selva das cidades”, de Brecht e a Amok Cia. de Teatro em espetáculo com texto de autor sérvio, completando a trilogia cênica sobre guerras.



O que há (de melhor) para ver 

 Hair –A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermot, mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretativa de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.

Técnica e profissionalismo dos new hippies de Hair

 Mente Mentira – A peça de Sam Shepard constrói ganchos dramáticos sobre família disfuncional que o diretor Paulo Moraes envolve em perfeita atmosfera tensa, mantendo o elenco – com sensíveis participações de Malu Valle, Roza Grobman e especialmente Zécarlos Machado – em permanente fricção emocional. O visual, assinado pelo diretor e Carla Berri, é outro dos elementos destaque da encenação em que choques afetivos são projetados como pulsões emocionais. Casa de Cultura Laura Alvim.

Pterodátilos – Num lar de alicerces oscilantes, quase dementes, o autor americando Nicky Silver desenha farsa de humor rascante, que o diretor Felipe Hirsch, com a excelente tradução cenográfica de Daniela Thomas, decompõe como um cemitério de ossos de mortos-vivos “assustados e solitários”. No elenco afiadíssimo, Marco Nanini e Mariana Lima, com acuidade, brilho e ironia, transformam o humor de Silver em inteligentes interpretações. Teatro das Artes.

Deus da Carnificina – A francesa Yasmina Reza se preocupa mais com o invólucro do que com o conteúdo, e neste texto sobre a crescente agressividade de um casal diante da briga dos filhos, não é diferente. Com habilidade e inventiva cenografia, o diretor Emílio de Mello soube ressaltar o que o invólucro tem de melhor, o seu brilho externo, utilizando quarteto de bons atores, no qual se destaca Julia Lemmertz com alguns momentos excepcionais. Teatro Maison de France.

Histórias do Amor Líquido – Em três narrativas que se interpõem, o autor Walter Daguerre captura modos diversos da “liquefação das relações contemporâneas”. O diretor Paulo José imprime ritmo dinâmico e nervoso à montagem, apoiado pelo criativo cenário de Fernando Mello da Costa, que usa, como poucas vezes se viu no teatro carioca, projeções com ótimo efeito dramático e qualidade técnica. Teatro Poeira.